terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Literatura e Cinema

Não vou falar das adaptações da literatura para o cinema. Ao contrário, quero falar de como a literatura utiliza a linguagem cinematográfica para produzir o texto literário. É possível? Acredito que sim. Sonia Coutinho, escritora baiana, em seu romance Atire em Sofia, 1989, experimenta essa intersecção, fazendo um caminho genialmente inverso ao construir uma narrativa estruturalmente muito semelhante a linguagem do cimema.

As histórias giram em torno das personagens e o livro é dividido em "cenas" onde essas personagens "atuam", o que torna uma narrativa bastante visual. Além desse romance, um outro livro, sendo que de contos, intitulado O Último Verão de Copacabana,  1985, traz contos que também fazem referência ao cinema, ao mostrar personagens do cinema como personagens literárias: "Toda Lana Turner tem seu Johnny Stompanato" e "O Enigma de Greta Garbo" são dois contos que tentam mostrar um lado menos "glamouroso" das mulheres e ironicamente, veia sempre acentuada de Sonia Coutinho, a escritora utiliza duas personagens hollywoodianas que alçaram grande fama, mas que também tiveram uma vida pessoal conturbada e misteriosa.

domingo, 6 de dezembro de 2009

A ESCRITA DOS ANOS 80 DAS ESCRITORAS BRASILEIRAS

Quando estava cursando o doutorado, me interessei pelas produções das escritoras da geração de 60, sobretudo me chamava a atenção as produções publicadas nos anos 80, quando elas estavam na maturidade, lá pelos 40 anos.

Helena Parente Cunha (Mulher no Espelho, 1985), Sonia Coutinho (O Jogo de Ifá, 1980), Myriam Fraga (Risco na Pele, 1983), Marina Colasanti (Contos de Amor Rasgados, 1986),  Lya Luft (Retratos de Família, 1987) e Yêda Schmaltz (Atalanta, 1987). O que há em comum entre esses textos além do ano de publicação e o fato de todas serem mulheres?

Resposta: Os temas e a linguagem. Naturalmente observando-se as particularidades de cada escritora.

Apesar de pertencerem a gêneros diferentes - poesia, conto, microconto, romance - a linguagem utilizada pelas escritoras produz um efeito impactante na(o) leitor(a) dada a maneira como elas expõem questões difícieis de falar, pois são vistas como interditos sociais e que por serem assim causavam problemas nas relações das mulheres com o espaço familiar. Pensemos no título do livro de poemas de Myriam Fraga publicado em 1983 - Risco na Pele. Duas palavras e um mundo de significados: o risco que remete a uma marca, um esboço, um risco, mas que também representa perigo. A pele é o que reveste o corpo, em sentido metafórico é a "própria pessoa", portanto liga-se a um sentido de identidade. O risco na pele pode significar o perigo que esse corpo marcado pelo sexo e pelo gênero vive. Os riscos de ser mulher, essa marca na pele que se movimenta em terrenos movediços e inóspitos, lançando-se, arRISCAndo-se a cada passo. Pensemos nos vários perfis de mulheres trazidos por Sonia Coutinho e que mostram as disfunções e insatisfações vividas pelas mulheres seja dentro ou fora do código social. Pensemos na narrativa de Lya Luft que em seu livro Reunião de Família mostra-nos a violência patriarcal e as sequelas deixadas na memória das pessoas que agem na loucura ou recuadas com medo. Pensemos na opressão da mulher em a Mulher no Espelho de Helena Parente Cunha e da sua dolorosa consciência e transformação para uma vida mais livre e independente. Pensemos em Atalanta, de Yêda Schmaltz, e as revelações de uma personagem infeliz em seu casamento e ávida por liberdade. O dilema de Atalanta é atualizado, pois, segundo a mitologia, a deusa perdeu a corrida porque sentiu-se atraída pela beleza dos pomos de maça colocados em sua frente, fazendo-a retardar-se e perder a corrida. Seria hoje ainda um problema para as mulheres? Preocuparem-se com questões que seduzem os olhos, fazendo-as perderem o foco?

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

FÊNIX

O texto abaixo é uma prosa poética escrita por Myriam Fraga e um dos meus favoritos. É um canto de sobrevivência para aqueles e aquelas que lutam diariamente e precisam se fortalecer na própria adversidade. Em especial, para as mulheres que são abatidas, violentadas, desamadas em nossa sociedade, somente com um mergulho em suas profundezas poderão tirar de dentro de si forças para prosseguir... vivas.


Myriam Fraga


Renasço a cada dia. A cada manhã, renovo minhas penas. Ontem, foram as brasas. Meu corpo frágil, meu ser de indecisa textura, ardeu em chamas, devorou-se, inteiro, ao calor de sua própria fogueira. No fim, restou um pouco de pó, mornas cinzas escuras. Mas ao romper da manhã, os carvões se agitaram. Débil ruflar de asas, um espichar de remígios e, novamente pássaro, me ultrapasso. Para o alto, para o alto! Atrás são cinzas mortas, pó desfeito, uma pequena coivara onde crepitam, ainda, rescaldantes, os restos do braseiro.


Aos poucos, lentamente, recupero os sentidos. Aos poucos, lentamente, reaprendo os caminhos. Me oriento devagar pelas velhas pegadas. Aqui, sem dúvida, já estive. É meu este traço, este espalmado rastro. Sinto que há ainda em mim um vestígio de abismo. Um chamuscado leve, uma fina cicatriz no encontro das asas. E uma lembrança quase morta, uma recordação abafada da ferroada das chamas, do dilacerante calor brotando das entranhas.


Mas, renasci. Renasço todo tempo. E meu tempo é este constante oscilar, este pêndulo esticado entre o toque de morrer e a hora do resgate. Ainda há pouco eu era apenas um montículo de pó, resíduos calcinados. Mas uma nova força revive de minhas brasas, asas soltas no espaço.


Agora, o céu é meu. E todo este dia glorioso, com seu hálito de jasmins, com seu sopro de plumas. Meu é este dia, o espaço deste dia. E a força de viver bate forte nas veias. Respiro com prazer e me engolfo no vento. Mais uma vez retomo meus cantares. Mais um dia! Mais um dia! Sei que breve, de novo, morrerei. Sei que nova mortalha de pó e cinza velará a minha face. Outro fogo me espera, outro mergulho ao cerne da fornalha.


Mas, agora, me equilibro na força de minhas asas. Todo o horizonte me pertence, tudo que embaixo respira e se renova. Ventos brandos do céu, arco-íris, auroras. Um dia, de novo, enfrentarei o holocausto. E novamente arderei até a poeira final, o restolho, o borralho. Mas não importa. Sei que tudo isto é apenas passagem. E renascerei de novo de minhas cinzas. Íntegra e radiante para novas batalhas.


Fonte: http://www.atarde.com.br/materia.php3?mes=03&ano=1998&id_materia=113327. Coluna Linha D'Água do Jornal A Tarde.

domingo, 1 de novembro de 2009

Helena Parente Cunha: díálogos revolucinoários com a América Latina através dos microcontos

"El éxito del microcuento se da cuando logra impactar al lector, cuando lo mantiene en un éxtasis de reflexión y de entrega consigo mismo" (autor desconhecido)

Os microcontos são, estruturalmente, narrativas condensadas e que pelo seu traço sintético e simbólico se aproxima bastante do poema. Nos microcontos as palavras sugerem mais do que dizem e, por isso, são formados por forte carga simbólica. O microconto, como afirma Massiel Mossos, é um gênero que nos mostra uma nova perspectiva do texto, nos conduz a diferentes labirintos que visa entreter e manter o leitor em interação contínua. Por utilizar o mínimo de palavras para expressar idéias só pode ser significado por aquele que queira jogar com a palavra e o pensamento.

O componente lúdico do microconto - que evidencia muito mais o papel do leitor, responsável por percorrer o labirinto e construir as significações - associado a sua estrutura condensada, não ultrapassando uma página, fortemente imagético, remete-nos também às artes plásticas. Aliás, a plasticidade dos microcontos confere a estes uma identidade híbrida, polissêmica, parafrástica e intertextual, mostrando-nos, muito claramente, a carga dialógica, ideológica e expressiva nas escolhas combinatórias das palavra. É por meio desse elemento que a leitora e o leitor produzem os sentidos, isto é, faz uso da sua experiência perceptiva, da sua visão de mundo para dizer o que não foi dito, mas sugerido. Por isso, os microcontos são revolucionários, pois exige do leitor e da leitora uma ação, uma desacomodação.

Helena Parente Cunha, dialogando com escritores e escritoras dos países da América Latina e por conta de sua habilidade em transitar com tranquilidade entre a prosa e a poesia, soube muito bem produzir microcontos, combinando elementos da prosa e da poesia, para tematizar questões relacionadas às experiências das mulheres. A escolha não poderia ter sido melhor para provocar uma desacomodação nas leitoras e manter com elas um diálogo, pois através da revolução estrutural, Helena Parente Cunha trouxe também, colado à estrutura, temas igualmente libertários e emancipatórios que falam muito da vivência das mulheres. Essa tematização provoca uma reflexão, um pensar das mulheres sobre si mesmas, como mencionado na epígafre, possibilita às leitoras o encontro delas com suas experiências, com a experiência política de ser mulher, pensando-se individualmente e para fora de si, tomando consciência de sua existência e a de tantas outras existências de mulheres.


INDECISÃO

Todas as noites. A respiração acelerada. O corpo junto do corpo. A boca dentro da boca. Os braços se fundindo nos braços. As pernas atravessando as pernas. As mãos incutindo espaços. O buscar de mais buscar. O corpo querendo entrar. O corpo pronto a acolher. O arfar. A espera. A sede, a rede. A parede. O corpo querendo entrar. Um corpo que se fechando. Não. Não. Ela se solta, ela se assalta, ela se volta. Ele revolta. Não. Desta vez ele vai para nunca mais voltar. (destacados por mim)





sexta-feira, 30 de outubro de 2009

A POESIA DE HELENA PARENTE CUNHA

Helena Parente Cunha é bastante conhecida por sua prosa - Mulher no Espelho, Cem Mentiras de Verdade, As Doze Cores do Vermelho, Os Provisórios, Claras Manhãs de Barra Clara - narrativas que já lhe trouxeram premiações. No entanto, trago hoje uma poesia publicada em seu livro Além de Estar, lançado em 2000, pela Fundação Cultural do Estado da Bahia e Editora Imago. O poema recebeu o título de Verdade.

no desmentir
de cada mito
me tomba um véu

no desencontro
de cada aurora
rompo um pedaço

no que refaço
cada verdade
mais me desfaço.

Esse poema me chamou a atenção pelo seu propósito desconstrucionista e desmitificador. Longe de aceitar a identidade como algo acabado, fixo, a voz que enuncia se apresenta reflexiva e consciente do jogo de mentiras e verdades, do mascaramento, por meio do qual as pessoas vivem socialmente. O véu, símbolo feminino, usado para ocultar a face da mulher, portanto a sua identidade, com o passar do tempo vai sendo retirado, levando a mulher a se defrontar com a verdade. Mas o que é a verdade? A verdade e a mentira não são feitas da mesma substância? A diferença, a meu ver, é que a voz feminina constrói para si aquilo que ela considera como verdade sobre ela mesma. A mentira é o que foi dito sobre a mulher e que ela rejeita, tem uma relação de "desencontro". A verdade, ao contrário, é tudo aquilo que ela define para si mesma como pertencimento e por meio da qual ela se afirma.

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

A DAMA E O UNICÓRNIO


"Desenho o teu perfil
Como um bordado;
Matiz e labirinto.

Uma anca abaulada,
Um pé suspenso
E a cabeça
De encantado.

Passeias nos meus sonhos,
Nos meus bosques
De sombra e solidão.

Solitário também
E assustado:
Tão dedicado risco
A Senhora e o Unicórnio: "A visão
- Elfo e onagro. Fonte: wikipédia

Nunca virá a mim.
Por mais que espreites
(E te espreite)
Não virás.

Desejas no entanto
Meu regaço.

Mas nunca o terei nos braços.

... Nunca o doce
Calor de seu pelo,
Nunca o suave
Parafuso do chifre...

- Que linha furiosa nos separa?

Neste jogo de espelhos,
Divididos,
Nos buscamos em vão.

Não me escutas,
Nem voltas a cabeça.

Nem eu atiro o laço."

(Do livro FEMINA, 1996)


Quando li A Dama e o Unicórnio pela primeira vez estava no curso de especialização da UFBA e iniciando com mais profundidade os meus estudos feministas acerca das questões de gênero. Imediatamente elegi esse poema de Myriam Fraga como um dos mais "gendrados" de sua coletânea. O verso "-Que linha furiosa nos separa" mostra a grande separação que a cultura nos legou entre os pólos diferentes, o feminino e o masculino ou o homem e a mulher, num jogo binário e oposicional que sustentou (e tem sustentado) as práticas sociais no ocidente, levando as pessoas, mulheres e homens, a se rivalizarem ao invés de se perceberem, em suas diferenças, como apenas diversos.


No poema, o olhar reciproco, ou melhor o espreitar recíproco, traduz esse interesse mútuo, mas que se perdeu ou tem se perdido no estrabismo que embaça, produz o estranhamento mútuo. Espreitar significa observar às ocultas, prescrutar, sondar, observar atentamente e, por mais que as duas partes assim se comportem um em relação ao outro, uma "linha furiosa", forte e violenta, impede que dois universos distintos se vejam, se aproximem, se percebam e se entendam. O ocidente criou esse abismo dos gêneros através de diferentes recursos. Aqui a poesia de Myruam Fraga espreita o mito, o código literário ocidental, indaga-o e lança para o leitor a tarefa de pensar: "Que linha furiosa nos separa?"


A Dama e o Unicórnio nos lança ao mito dos encontros impossiveis, pois reza a lenda que o animal só se curvaria diante de uma virgem que em seu colo, ao adormecer, lhe tiraria o chifre. Isso significa que para que houvesse um encontro, um deles teria de perder a força. A narrativa ocidental mítica mostra que a força indomável é aplacada pelo gesto calmo da mulher que neutraliza a violência, representada simbolicamente pelo chifre quando ela o retira, para enfim poderem estar em equilíbrio. O ocidente distorce ainda o mito ao mostrar uma leitura invertida, mostrando que a mulher ao possuir o chifre passa a dominar o homem.


A poesia de Myriam Fraga questiona essas leituras hierárquicas nas relações e propõe uma reflexão sobre a ideologia que tem sustentado as relações desiguais de gênero que separa violentamente mulheres e homens, o feminino e o masculino, e, sobretudo, conferindo poderes a um.
Fonte: A imagem intitula-se "A Senhora e o Unicórnio - A visão"

domingo, 6 de setembro de 2009

MAIS UM POUCO DE EMILY DICKINSON

Observe no poema abaixo como as palavras liberdade (voar) e prisão fazem parte de uma angústia existencial da mulher que almeja sair da prisão dos códigos morais vigentes, tendo consciência da força que a oprime.


I never hear the word "escape"
Without a quicker blood,
A sudden expectation,
A flying attitude!
I never hear of prisons broad

By soldiers battered down,
But I tug childish at my bars
Only to fail again!
Emily Dikinson

TRADUÇÃO

Eu nunca ouço a palavra "escapar"
Sem sentir fremente o sangue
Nas veias, espera do de repente,
Atitude de voar!
Nunca ouço de maciças prisões

Em combates derrubadas
Sem ficar sacudindo as minhas grades,
Infantilmente - p'ra nada.

Emily Dikinson (Tradução: Aíla de Oliveira Gomes)
Enviado por: José P. Di Cavalcanti Jr.
Fonte: http://www.blocosonline.com.br/literatura/poesia/pidp/pidp010708.htm

BELEZA E VERDADE (EMILY DICKINSON (1830-1886)

Tradução de Manuel Bandeira

Morri pela beleza, mas apenas estava
Acomodada em meu túmulo,
Alguém que morrera pela verdade,
Era depositado no carneiro próximo.
Perguntou-me baixinho o que me matara.
– A beleza, respondi.
– A mim, a verdade, – é a mesma coisa,
Somos irmãos.
E assim, como parentes que uma noite se encontram,
Conversamos de jazigo a jazigo
Até que o musgo alcançou os nossos lábios
E cobriu os nossos nomes.
Há quem diga que poesia não foi feita para analisar, mas para senti-la e só. Mas como crítica que sou não posso me furtar ao exercício da interpretação e para tal necessito apresentar o contexto. Emily Dinckson nasceu na Inglaterra no século XIX, na chamada Era Vitoriana. Chamava-se assim por conta de um código moral implantado pela Rainha Vitória permeado de preconceito, repressão sexual e afetiva, sobretudo para as mulheres, cada vez mais enclausuradas em um mundo hipócrita de proibições e transgressões.
Nesse poema, o eu-lírico coloca em um mesmo nível a beleza e a verdade, ambas "irmãs", porque efêmeras e alimentadas pela vaidade humana. O fato de escolher um jazigo, fortalece o sentido da finitude das duas e a máscara que as reveste, ornadas para o outro, para seduzi-lo.
Se fizermos uma leitura a partir do lugar de fala da escritora, considerando o seu momento histórico e cultural, podemos identificar uma certa denúncia nesse poema, uma vez que a beleza, eleita pela sociedade patriarcal para ser cultuada pela mulher, é a razão da sua morte social, pois a acorrenta a um jogo de sedução que a imobiliza dentro de um construto da feminilidade a partir do olhar do homem, que por sua vez, para alcançar o seu intuito, constrói o seu discurso em torno de verdades. Essas verdades aparecem como discurso na sustentação de uma ideologia patriarcal mascarada.

sexta-feira, 29 de maio de 2009

Myriam Fraga: poesia reunida

"Ficou-me a face tatuada de ternuras impossíveis" (Myriam Fraga)


Em 2008, Myriam Fraga reuniu em um livro as suas poesias. Durante o Seminário Helena Parente Cunha: formas informes do desejo, em um momento de gracejo, numa conversa informal com amigos e amigas, brincou dizendo que ninguém poderia reclamar de que não tinha uma obra de peso. Discreta e bem humorada, a poeta fez referência ao livro que não poderia deixar de ser volumoso, dado o número de poesias já escritas pela poeta ao longo de sua significativa carreira. A crítica literária, assim como, os professores de literatura que lecionam em escolas de nível médio e universidades têm à disposição um valioso material literário.


O livro foi publicado pela Academia de Letras da Bahia, em parceria com a Assembléia Legislativa da Bahia, haja vista a importância da produção literária da escritora para a cultura do Estado. O livro está dividido em várias partes: Marinhas, Pescadores de Mar Grande, A ilha, Sesmaria, O Livro de adynata, O risco na pele, As purificações ou o sinal de Talião, A lenda do pássaro que roubou o fogo, Os deuses lares, Femina e Inéditos e Esparsos.


Em Marinhas, por exemplo, o primeiro poema do livro, dividido em oito partes, os signos fazem referências ao mar, com seus barcos, velas e riscos, que ora acena para a nossa memória imbricada com a da cidade litorânea, ora desliza para mostrar a metáfora da vida: as angústias, as incertezas, a esperança, as reinvenções dos sentidos das coisas, superações, mortes e descobertas. Em Marinhas, a voz poética inscreve as formas de sentir a vida e de atuar nela: "destino de maresia, tecido com as mãos do vento".


A quarta parte do poema expõe a fragilidade humana que se ancora n "o casco", no cristalizado, materializado, e que separa, assim como os metais que corrompem, o sujeito de sua dimensão humana e o aliena de si mesmo. Se pensarmos na condição das mulheres em uma sociedade que a alija de suas potencialidades, encontramos na poesia de Myriam Fraga, e em especial nesse poema, ecos feministas de uma escritora que convida a leitora para mergulhar em sua existência para encontrar em suas profundezas, no seu mais íntimo encontro consigo mesma, o que permanece de sua humanidade, forjada por um casco que a aprisiona e a impede de reconstruir seus “naufrágios”, suas histórias de dor e de reencontros com a esperança, com a vida.


O livro com as poesias de Myriam Fraga nos convida a um velejar solitário sem direção predeterminada, por caminhos que vão sendo abertos à medida que vivemos, mas que se dilui, como o rastro deixado pelo barco e que some logo que passa, e descobrir que na vida o sol está morto, o astrolábio quebrado, pois o que nos orienta perde o sentido diante das incertezas. O mapa, longe de ser um grande achado, nos conduz, muitas vezes, a viagens malogradas.


V


"Astrolábios quebrei,

e o sol é morto.

Reiventado o caminho,

solta a vela,

Reconstruí o sal e o horizonte.


Eis o barco

E os mapas que tracei.

Arquipélagos futuros,

Promonitórios,


Sonhada travessia malograda.

Convés despovoado (HOJE),

Âncora dormindo o sono dos naufrágios,

E na gávea partida,

o marinheiro cego"



domingo, 24 de maio de 2009

SEMINÁRIO HELENA PARENTE CUNHA

Aconteceu em Salvador, entre os dias 20 e 23 de maio, na Academia de Letras da Bahia, O SEMINÁRIO HELENA PARENTE CUNHA: AS FORMAS INFORMES DO DESEJO.

A escritora baiana, que mora atualmente no Rio de Janeiro, esteve na Bahia para receber as homenagens da Academia de Letras da Bahia, da crítica literária local e de outros estados. Amigos e familiares, em depoimento, também puderam expressar o respeito e admiração pela escritora, por sua trajetória de vida.

Os dois primeiros dias de evento tiveram como destaque as falas da crítica literária sobre a produção de Helena Parnte Cunha, a partir de diferentes abordagens teóricas. O encerramento foi centrado na fala da escritora que teve como coordenadora de mesa uma outra escritora baiana, Myriam Fraga. Helena Parente Cunha finalizou o evento com uma fala memorável, densa, um percurso de sua vida, onde vida e obra se confundiam. Era um texto permeado de visitações a espaços, falas, experiências, emprestadas às suas personagens femininas, para inscrever na ficção baiana uma voz feminista, claramente INDIGNADA, como ela mesmo mencionou, com as estruturas que sustentam tantas exclusões, principalmente a das mulheres.

Helena Parente Cunha escreveu um texto emocionante. Dificilmente alguém naquele auditório não se sentiu tocado com suas palavras, em suaves tons avermelhados (embora estivesse trajando amarelo, de Oxum). Tons que, em alguns momentos, produziam palavras intencionalmente bem articuladas e pausadas, para dar ênfase. Foi assim quando falou de sua indignação com a sociedade que esmaga tantas vidas e, também, quando citou qualidades de outras colegas, como foi o caso da professora Ivia Alves, professora da UFBA, quando organizou o VII Seminário Mulher na Literatura, em Salvador, em 1999, que também tinha homenageado a escritora. A fala de Helena Parente Cunha era um memorial poético, escrito e não digitado (manuscritos que valem ouro, decerto) e que de tão prazeroso foi sugerido uma nova leitura por Myriam Fraga, brincando com a amiga, que perdida entre os papéis de sua fala, estava surpresa por ter terminado. O clima não poderia ser outro.

A leveza de Helena Parente Cunha ao tratar de questões tão violentas à mulher, como o patriarcado, contagiou todos os presentes naquele auditório, pois ouviram uma escritora politizada, preocupada com as questões atuais, emprestar a sua voz para, junto ao microfone e naquele ambiente solene e acolhedor, confirmar o que já víamos em seus textos.

Helena Parente Cunha é uma escritora cuja escrita inquieta.

Durante o evento, vários livros foram mencionados pela crítica: Cem Mentiras de Verdade, A Casa e As Casas, Os Provisórios, Corpo no Cerco, Vento, Ventania, Venaval, entre outras.

sexta-feira, 6 de março de 2009

Meu nome é Diamante, Dora Diamante.

Dora Diamante é, sem dúvida, um nome sugestivo para uma protagonista de romance policial. Dora, possivelmente a forma reduzida de Pandora (a que deu origem a todos os males da humanidade, na mitologia grega) e Diamante, um pedra preciosa que, no ocidente, simboliza soberania universal, incorruptibilidade e a realidade absoluta. Na arte do Renascimento simbolizou a coragem diante da adversidade, o poder de libertar o espírito do temor, a integridade de caráter. Na mineralogia hindu significa ainda o auge da maturidade. Esses sentidos atribuídos ao diamante convergem para a personagem do romance Os Seios de Pandora: Uma Aventura de Dora Diamante, 1998. Há também uma possível alusão ao nome da amante do escritor Franz Kakfa que se chamava Dora Diamant, professora e atriz.

Dora Diamante é uma jornalista que busca des-vendar um caso de assassinato de uma artista plástica que aconteceu no passado e, por isso, acaba atraindo para si também a morte. Mesmo diante dos perigos, a obstinação da jornalista em descobrir a verdade sobre o assassinato da "lendária" artista plástica mostra uma certa cumplicidade e uma identificação entre essas duas mulheres que dá a narrativa um impulso que transcende o clima do romance policial tradicional. Há uma posição consciente que motiva a jornalista a percorrer os caminhos que levaram ao assassinato de Tessa Laureano. Essa busca não significa apenas uma investigação ou um rastreamento de um assassinato simplesmente, mas a busca de uma auto-descoberta. Des-velar o passado tem um sentido para Dora Diamante que consiste em mergulhar nas situações que fazem com que mulheres sejam eliminadas/banidas de determinados lugares. São mulheres, efetivamente, que ousaram inscrever-se em um espaço estabelecido como masculino.

A personagem Tessa Laureano foi assassinada porque herdaria uma fortuna e isso representa conceder poder econômico a mulher (principal entrave para a emancipação feminina). Dora Diamante, destemidamente, rompe com o silêncio sobre o assassinato e ilumina as causas do mesmo. Iluminado-as, a jornalista estabelece um liame entre passado e presente e fortalece o sentido e a relevância em fazer emergir os motivos pelos quais as exclusões e herança de mortes fazem parte da vida de mulheres, sejam mortes simbólicas ou não.

Caberia refletir se o percurso de Dora Diamante/Tessa Laureano não representaria também os caminhos de muitas outras mulheres de hoje em dia. Não estariam as mulheres, de certa forma, convivendo lado a lado com o perigo e por que não dizer com a morte, sobretudo quando almejam lugares públicos, de poder? As mulheres estariam pre-dispostas a buscar as causas de suas limitações e interditos na sociedade? No que resultaria essa busca? A "aventura" de Dora Diamante provoca algumas inquietações e questionamentos que exigem da/o leitora/r uma forma diferente de ler e estar no mundo.

terça-feira, 27 de janeiro de 2009

A PRODUÇÃO DE SONIA COUTINHO: uma pesquisa através dos sites (parte I)

Existem inúmeras desconfianças quanto ao uso das informações contidas na internet, contudo prefiro me dedicar aos usufrutos que as navegações ou velejamentos me propiciam e que incluem os riscos passíveis a qualquer viajante. O número infinito de dados que os sites de busca nos oferecem nos impelem a fazer seleções das informações que chegam aos nossos olhos, tornando a atividade por vezes demorada e cansativa, ao mesmo tempo que motivadora e prazerosa.

Quando necessitei de material para compor um estudo sobre a produção de Sonia Coutinho encontrei uma série de informações que, certamente, se não fosse a internet, não teria acesso, pelo menos, em tempo tão curto e de forma tão confortável. Pude acompanhar, por exemplo, dentre as atividades desempenhadas pela escritora, os livros publicados, os assuntos das palestras feitas em outros países e no Brasil, o estudo de suas produções em inúmeras universidades brasileiras e estrangeiras, as entrevistas, e muitos outros dados.

A internet é uma ferramenta imprescindível para a pesquisa e, consequentemente, para a ampliação do conhecimento porque ela permite o acesso a um número vasto de informações que certamente de outra forma seriam difíceis de encontrar. Por exemplo, no site http://www2.metodista.br/unesco/jbcc/jbcc64.htm verifiquei que a escritora foi citada em livro intitulado "A ousadia da criação: Universidade e cultura", quando se discutia a importância do movimento intelectual dos anos 50-60 para a formação de uma "modernidade artísitica e científica" na Bahia através da contribuição de artistas e intelectuais como Sonia Coutinho. Esse aspecto é importante para entender as condições de produção da escritora que não apenas inova a narrativa ficcional, do ponto de vista da estrutura e da linguagem, mas apresentando temas igualmente inovadores ao discutir, desde os anos 70, o patriarcado na Bahia e os seus efeitos na vida de homens e mulheres, sobretudo estas. As produções da escritora têm sido estudadas em Universidades dentro e fora do Brasil, fazendo parte de programas de cursos de graduação e pós-graduação, dada a dimensão e importância de seu trabalho.

A partir de hoje vocês terão acesso aos resultados desse estudo que serão publicados periodicamente nesse blogue. Acompanhem-no!
(Esse artigo foi publicado no blogue http://teialiteraria.blogspot.com/, mas que, por razões que desconheço, foi desapropriado de mim.)