segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

MULHER NO ESPELHO, Virginia Woolf

"Afinal, ei-la ali, no salão. Deteve-se. Ela parou em pé junto à mesa. Ela parou completamente imóvel. De imediato o espelho começou a verter sobre ela uma luz que parecia pregá-la; que parecia um ácido que corrói o não-essencial e o superficial e deixa apenas a verdade. Era um espetáculo encantador. Tudo imanava de Isabella - nuvens, vestidos, cesto, diamante -, tudo o que fora chamado de planta rasteira e convólvulo. Eis a dura parede embaixo. Eis a própria mulher. Ela se erguia nua naquela luz impiedosa. E nada havia. Isabella estava completamente vazia. Não tinha pensamentos. Não tinha amigos. Não cuidava de ninguém. Quanto às cartas, eram todas contas. E enquanto ali estava, velha e angulosa, jaspeada e coberta de rugas, com o seu nariz arrebitado e o pescoço vincado, ela sequer se deu ao trabalho de abri-las.


As pessoas não deviam pendurar espelhos nas suas salas."

Mulher no Espelho. In.: Objetos Sólidos, 1992. Trad. Hélio Pólvora.

HELENA PARENTE CUNHA

INDECISÃO
Todas as noites. a respiração acelerada. o corpo junto do corpo. A boca dentro da boca. Os braços infundindo nos braços. As pernas atravessando as pernas. As mãos incutindo espaços. O buscar de mais buscar. O corpo querendo entrar. o corpo  pronto a acolher. O arfar. A espera. A sede, a rede. A parede. O corpo querendo entrar. Um corpo que se fechando. Não. Ela se solta, ela se assalta. ela se volta. Ele revolta. Não. Desta vez ele vai para nunca mais voltar.

O conto acima faz parte do livro Cem Mentiras de Verdade, 1990, editado pela Livraria José Olympio. É um livro que contém cento e uma "mentiras de verdade", mas que ludicamente foi arredondada para cem o que acabou provocando uma ambiguidade no plano da significação devido a homofonia entre as palavras (cem/sem).

A leitura cresce em tensão, sugerindo um clímax que não acontece. Uma mulher, marcada no texto como "Ela" não consegue avançar em seu contato íntimo com um homem inscrito como "Ele". Há um interdito, uma internalização que impede que a mulher possa sentir prazer ou possa ter plena posse de seu corpo. Outros a possuem, mas não ela. Muito perto de apoderar-se de seu corpo e senti-lo sob o seu controle. Uma voz interior a faz parar. Uma voz que é dela, mas também de outro ou de tantos outros. Uma barreira psicológica se forma e aquele momento de satisfação torna-se de dor. Uma frustração que marcará a vida de ambos, mas certamente a da mulher. Sua vida resumida a apenas dores, nenhum prazer.

O conto traz questões que há muito não se discutia, não depois da revolução feminista. A virgindade está novamente sendo reconsiderada, contraditoriamente nunca tão fortemente a erotização midiática fosse tão expressiva e massificada.

Como freio a essa conduta, perigosamente, aparece a virgindade como solução para todos os males sexuais: DST's, AIDS, Gravidez indesejada, aborto, etc.  No conto, há uma denúncia sobre os malefícios psiquícos causados às mulheres pelo fato de elas não poderem viver plenamente a sua sexualidade, devido a um código baseado no discurso judaico-cristão que incutia nas mentes das meninas o ideal da pureza do corpo como um valor, a salvação do espírito. Sucumbir à carne, ao sexo, seria um passo para a condenação nesta e na outra vida, era o discurso. As mulheres construíam barreiras que inibiam qualquer satisfação de qualquer natureza, sobretudo sexual. A revolução sexual dos anos 60 marcava o início de uma nova história para as mulheres, principalmente com a pílula anticoncepcional.  

As escritoras da geração de 60, como Helena Parente Cunha, expõe os problemas vividos pelas mulheres (mas também homens) que se movimentam neste código social, ficcionalizando as experiências de infelicidade e os distúrbios psiquícos de mulheres diante das contradições que essa mesma sociedade punitiva sustentava.

Curiosamente, a minha última postagem tratou de um romance que parece reforçar esse código, ao trazer o tema da virgindade novamente como pauta e valor.

ROMANCES PARA UM PÚBLICO TEEN

Quem gosta de literatura não pode desconsiderar uma boa visita às livrarias. Ao entrar em uma delas, vemos toda uma organização especial em torno de alguns best-sellers. São torres de livros organizados em pontos estratégicos,  conhecidos como "pontos de venda". As prateleiras estão cheias de romances de escriores nacionais e estrangeiros. É um exercício árduo encontrar algum que nos apeteça, em geral escolhemos os velhos conhecidos, para não arriscar na compra. Mas se estivermos imbuídas de um espírito aventureiro, com tempo para vasculhar as enormes estantes das megastores com seus opcionais stands de mesa, podemos localizar alguma coisa interessante. Caso não encontremos, teremos feito um bom exercício arqueológico no intuito de garimpar alguma raridade.

Em um desses exercícios durante as férias docentes, estive em uma livraria com mais frequência do que de costume e vi torres de livros, stands e prateleiras repletas dos livros da escritora norte-americana Stephanie Meyer, autora de um quadrilogia intitulada: Crepúsculo, Lua Nova, Eclipse e Amanhecer. Desses quatro livros, três já se tornaram filme e o último está no prelo. São livros de fácil digestão feitos para um público consumerteens. Os vampiros e toda a atmosfera vitoriana inclusive com seus códigos puritanos voltam a nos rondar com seus espectros. No romance, algumas referências nos apontam isso: a inlusão de excertos da peça de William Shakespeare, Romeu e Julieta (século XVII) e referências ao romance O Morro dos Ventos Uivantes, de Emily Brönte, publicado no século XIX.

O mote é a história de amor proibido entre um vampiro e uma humana que, com doses de erotização e sensualidade, atinge em cheio o público ao qual se destina. O apelo sexual é tão sugestivo no filme (pois não se concretiza em ato) que tornou o personagem, e por extensão o ator, em símbolo sexual da noite para o dia. Conversando com uma jovem, disse-lhe, como provocação, que a personagem não era bonita, mas ela me corrigiu dizendo que o que lhe atraía era a forma com que ele tratava a protagonista. Sendo assim, vale o ditado que a minha mãe dizia: "quem ama o feio, bonito lhe parece", uma retextualização de outro clássico da literatura ocidental A Bela e a Fera. Curiosamente, o nome da protagonista da saga é Bella que tenta unir a "fera", seu vampiro, a sua humanidade perdida.

Mas sobre esses livros, há ainda muito a se dizer.