terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Literatura e Cinema

Não vou falar das adaptações da literatura para o cinema. Ao contrário, quero falar de como a literatura utiliza a linguagem cinematográfica para produzir o texto literário. É possível? Acredito que sim. Sonia Coutinho, escritora baiana, em seu romance Atire em Sofia, 1989, experimenta essa intersecção, fazendo um caminho genialmente inverso ao construir uma narrativa estruturalmente muito semelhante a linguagem do cimema.

As histórias giram em torno das personagens e o livro é dividido em "cenas" onde essas personagens "atuam", o que torna uma narrativa bastante visual. Além desse romance, um outro livro, sendo que de contos, intitulado O Último Verão de Copacabana,  1985, traz contos que também fazem referência ao cinema, ao mostrar personagens do cinema como personagens literárias: "Toda Lana Turner tem seu Johnny Stompanato" e "O Enigma de Greta Garbo" são dois contos que tentam mostrar um lado menos "glamouroso" das mulheres e ironicamente, veia sempre acentuada de Sonia Coutinho, a escritora utiliza duas personagens hollywoodianas que alçaram grande fama, mas que também tiveram uma vida pessoal conturbada e misteriosa.

domingo, 6 de dezembro de 2009

A ESCRITA DOS ANOS 80 DAS ESCRITORAS BRASILEIRAS

Quando estava cursando o doutorado, me interessei pelas produções das escritoras da geração de 60, sobretudo me chamava a atenção as produções publicadas nos anos 80, quando elas estavam na maturidade, lá pelos 40 anos.

Helena Parente Cunha (Mulher no Espelho, 1985), Sonia Coutinho (O Jogo de Ifá, 1980), Myriam Fraga (Risco na Pele, 1983), Marina Colasanti (Contos de Amor Rasgados, 1986),  Lya Luft (Retratos de Família, 1987) e Yêda Schmaltz (Atalanta, 1987). O que há em comum entre esses textos além do ano de publicação e o fato de todas serem mulheres?

Resposta: Os temas e a linguagem. Naturalmente observando-se as particularidades de cada escritora.

Apesar de pertencerem a gêneros diferentes - poesia, conto, microconto, romance - a linguagem utilizada pelas escritoras produz um efeito impactante na(o) leitor(a) dada a maneira como elas expõem questões difícieis de falar, pois são vistas como interditos sociais e que por serem assim causavam problemas nas relações das mulheres com o espaço familiar. Pensemos no título do livro de poemas de Myriam Fraga publicado em 1983 - Risco na Pele. Duas palavras e um mundo de significados: o risco que remete a uma marca, um esboço, um risco, mas que também representa perigo. A pele é o que reveste o corpo, em sentido metafórico é a "própria pessoa", portanto liga-se a um sentido de identidade. O risco na pele pode significar o perigo que esse corpo marcado pelo sexo e pelo gênero vive. Os riscos de ser mulher, essa marca na pele que se movimenta em terrenos movediços e inóspitos, lançando-se, arRISCAndo-se a cada passo. Pensemos nos vários perfis de mulheres trazidos por Sonia Coutinho e que mostram as disfunções e insatisfações vividas pelas mulheres seja dentro ou fora do código social. Pensemos na narrativa de Lya Luft que em seu livro Reunião de Família mostra-nos a violência patriarcal e as sequelas deixadas na memória das pessoas que agem na loucura ou recuadas com medo. Pensemos na opressão da mulher em a Mulher no Espelho de Helena Parente Cunha e da sua dolorosa consciência e transformação para uma vida mais livre e independente. Pensemos em Atalanta, de Yêda Schmaltz, e as revelações de uma personagem infeliz em seu casamento e ávida por liberdade. O dilema de Atalanta é atualizado, pois, segundo a mitologia, a deusa perdeu a corrida porque sentiu-se atraída pela beleza dos pomos de maça colocados em sua frente, fazendo-a retardar-se e perder a corrida. Seria hoje ainda um problema para as mulheres? Preocuparem-se com questões que seduzem os olhos, fazendo-as perderem o foco?