Sempre foi muito difícil para a academia aceitar os estudos feministas como uma abordagem de análise literária.
Tive a sorte de iniciar os estudos ainda na graduação quando estudei as representações de mulheres através dos autores, considerados clássicos. Os romances de José de Alencar - Lucíola, Senhora e Diva - formavam uma tríade de perfis femininos amplamente estudados por pesquisadoras de todo o Brasil. Portanto, uma das formas de estudar a mulher na literatura foi (e ainda é) através dos escritos dos homens, única voz considerada autorizada a fazer arte, até porque acreditava-se que o gênio artístico guardava uma porção divina da qual as mulheres não faziam parte, pelo menos na condição de criadoras. No máximo, chegavam a ser musas a inspirar.
A historiografia literária no Ocidente sempre foi uma atividade reconhecidamente masculina, mas isso não impediu que as mulheres escrevessem. Elas apenas não eram lidas, no entanto conseguiam furar o cerco fazendo uso dos pseudônimos. Quem poderia imaginar que George Sand era o nome de Amandine-Aurore-Lucile Dupin ou que George Eliot era o nome de Mary Ann Evans, todas escritoras do século XIX?
A crítica literária feminista percebeu que o patriarcado, com seus valores centralizados no poder do homem, estava em toda parte, por isso ela tratou de responder como os papéis sociais desempenhados por homens e mulheres, atualizados a partir da visão burguesa, excluiam as mulheres de algumas atividades, principalmente as que cuidavam do desenvolvimento do espírito. Atividades que lhes trariam liberdade de pensar, de escolher, de discernir, que possibilitariam outros avanços a partir de uma postura independente e que certamente lhes trariam mais opções de se realizarem como pessoas, de viver as emoções, os sonhos e as possibilidades oferecidas pela vida.
Uma das questões iniciais formuladas pela crítica feminista era se as mulheres de fato não escreviam e, por isso, os homens eram constantemente tidos como referência literária ou se as suas produções eram boicotadas e neglicenciadas pela crítica que, por sinal, era masculina. Ora, o papel da crítica era ler os textos literários e discorrer sobre a obra, em geral atribuindo-lhes um juízo de valor. Sendo a crítica formada por homens que eram educados para considerar o engenho como atividade masculina, era previsível que eles rejeitassem as produções das mulheres. E se as mulheres não escreviam críticas, como as escritoras poderiam ser lidas e respeitadas? A saída de algumas mulheres foi escrever dentro de um modelo masculino e analisadas a partir de abordagens masculinas. Assim, algumas poucas conseguiram fazer parte das Histórias da Literatura Brasileira. Rachel de Queiroz foi uma delas.
Atualmente a crítica feminista na literatura tem sido responsável: pelos estudos das produções de mulheres do século XIX e temos conhecimento de que elas escreviam muito; pela reedição de livros esgotados e raros; por uma crítica que possa dar conta de explicar as questões do universo das mulheres, enfim, tem sido responsável por tornar o esforço de muitas mulheres reconhecido por pessoas posteriores à sua época. Apesar de elas não estarem mais vivas para ver que seus dias de dor e solidão se transformaram em momentos de prazer e de novos caminhos para outras mulheres, vale-nos agradecer imensamente a essas persistentes mulheres de outrora por elas terem insistido. Falta-nos infelizmente tornar esses textos mais acessíveis para os jovens e sensibilizá-los para a importância deles na cultura de um país.
Para a nossa alegria, temos o privilégio de ler textos de escritoras contemporâneas como Myriam Fraga, Sonia Coutinho, Helena Parente Cunha, Lya Luft, Marina Colasanti, Lygia Fagundes Telles, Márcia Denser e tantas outras.
As imagens são (de cima para baixo): Nísia Floresta, Amélia Rodrigues e Josefina Álvares de Azevedo.