sexta-feira, 29 de maio de 2009

Myriam Fraga: poesia reunida

"Ficou-me a face tatuada de ternuras impossíveis" (Myriam Fraga)


Em 2008, Myriam Fraga reuniu em um livro as suas poesias. Durante o Seminário Helena Parente Cunha: formas informes do desejo, em um momento de gracejo, numa conversa informal com amigos e amigas, brincou dizendo que ninguém poderia reclamar de que não tinha uma obra de peso. Discreta e bem humorada, a poeta fez referência ao livro que não poderia deixar de ser volumoso, dado o número de poesias já escritas pela poeta ao longo de sua significativa carreira. A crítica literária, assim como, os professores de literatura que lecionam em escolas de nível médio e universidades têm à disposição um valioso material literário.


O livro foi publicado pela Academia de Letras da Bahia, em parceria com a Assembléia Legislativa da Bahia, haja vista a importância da produção literária da escritora para a cultura do Estado. O livro está dividido em várias partes: Marinhas, Pescadores de Mar Grande, A ilha, Sesmaria, O Livro de adynata, O risco na pele, As purificações ou o sinal de Talião, A lenda do pássaro que roubou o fogo, Os deuses lares, Femina e Inéditos e Esparsos.


Em Marinhas, por exemplo, o primeiro poema do livro, dividido em oito partes, os signos fazem referências ao mar, com seus barcos, velas e riscos, que ora acena para a nossa memória imbricada com a da cidade litorânea, ora desliza para mostrar a metáfora da vida: as angústias, as incertezas, a esperança, as reinvenções dos sentidos das coisas, superações, mortes e descobertas. Em Marinhas, a voz poética inscreve as formas de sentir a vida e de atuar nela: "destino de maresia, tecido com as mãos do vento".


A quarta parte do poema expõe a fragilidade humana que se ancora n "o casco", no cristalizado, materializado, e que separa, assim como os metais que corrompem, o sujeito de sua dimensão humana e o aliena de si mesmo. Se pensarmos na condição das mulheres em uma sociedade que a alija de suas potencialidades, encontramos na poesia de Myriam Fraga, e em especial nesse poema, ecos feministas de uma escritora que convida a leitora para mergulhar em sua existência para encontrar em suas profundezas, no seu mais íntimo encontro consigo mesma, o que permanece de sua humanidade, forjada por um casco que a aprisiona e a impede de reconstruir seus “naufrágios”, suas histórias de dor e de reencontros com a esperança, com a vida.


O livro com as poesias de Myriam Fraga nos convida a um velejar solitário sem direção predeterminada, por caminhos que vão sendo abertos à medida que vivemos, mas que se dilui, como o rastro deixado pelo barco e que some logo que passa, e descobrir que na vida o sol está morto, o astrolábio quebrado, pois o que nos orienta perde o sentido diante das incertezas. O mapa, longe de ser um grande achado, nos conduz, muitas vezes, a viagens malogradas.


V


"Astrolábios quebrei,

e o sol é morto.

Reiventado o caminho,

solta a vela,

Reconstruí o sal e o horizonte.


Eis o barco

E os mapas que tracei.

Arquipélagos futuros,

Promonitórios,


Sonhada travessia malograda.

Convés despovoado (HOJE),

Âncora dormindo o sono dos naufrágios,

E na gávea partida,

o marinheiro cego"



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