terça-feira, 9 de agosto de 2011

E-mail: pequenas feministas

Pequena feminista,

respondendo ao e-mail
Sei que na sua idade é difícil entender algumas práticas sociais enraizadas na nossa cultura, principalmente porque, apesar de todo acesso informativo promovido pela internet, os textos são fragmentados e muitas vezes não trazem uma relação entre o presente e o passado. Você me disse que não gosta da disciplina História em seu Colégio, mas procure enxergar os efeitos de hoje como decorrentes de causas provocadas pelas pessoas em épocas e lugares anteriores.

Quando você me pergunta sobre as razões de algumas mulheres ficarem sempre com as tarefas domésticas, mesmo trabalhando fora, isso me conduz à história. Veja como ela é importante. Quando a indústria começou a se desenvolver e precisava de pessoas para executar as atividades salariadas, houve então a divisão sexual do trabalho. A revolução que aconteceu no século XIX, quer dizer aquela ocorrida entre os anos de 1801 e 1900 (sua professora deve ter falado disso), na Europa, mudou muita coisa na vida das pessoas e a mudança mais radical foi a divisão sexual do trabalho: as mulheres foram incentivadas para o trabalho da casa, não-remunerado, e o homem para o trabalho na rua, este remunerado. Esta configuração já coloca uma ideologia de arranjo conjugal baseada na reprodução (casal de sexos diferentes unidos pela lei humana e divina) que teria o nome de família nucelar ou burguesa. Não precisa dizer que o conhecimento, as leis sempre foram dominadas pelos homens, então eles as escreveram com base nos interesses deles.

Na verdade, a mulher, na condição de esposa, não era uma inativa, ela era uma peça na engrenagem da indústria, porém não recebia salário, mas, sim, o marido. A indústria pagava ao marido pela atividade laboral e o marido “pagava” à mulher com o provimento domiciliar (nunca com dinheiro),. Desta forma incluía a esposa como trabalhadora indireta da indústria – porque ela tinha que dar condições para o marido voltar ao trabalho no dia seguinte, alimentado e fortalecido para que a sua energia fosse transformada em lucro para a indústria. Desta forma, a esposa participa da lógica do sistema de exploração capitalista e é duplamente ludibriada: pelo empresário e pelo marido (este de forma inconsciente, às vezes). Logicamente que algumas tentaram tirar proveito da situação, desenvolvendo estratégias de risco que poderiam lhe causar a execração pública. A grande maioria se resignava e posavam de rainhas em um reino que nunca foi seu, mesmo o da casa (a sua autoridade vai até um limite permitido, depois disso ela é lembrada que é mantida, sustentada pelo marido).

Apesar da distância no tempo e no espaço, esse modelo cruzou mares e foi bastante difundido pelos romances, revistas, discursos pedagógicos (escola e religião) tornando essa realidade natural, inquestionável, sendo exposta definitivamente por mulheres que percebiam a manobra, como: Virginia Woolf, Jane Austen, Simone de Beauvoir, Betty Friedan, Margareth Mead, Kate Millet, entre outras, todas do século XX. Há também as excelentes discussões de Olympe de Gouges que no século XVIII questionou a política androcêntrica da revolução francesa e, por isso, foi guilhotinada.

Assim, as mulheres de hoje, mesmo com todas as mudanças sociais, repetem modelos seculares, com poucas variações. A diferença é que hoje ela tem o teto e o dinheiro (Woolf dizia que uma mulher para se emancipar deveria ter um teto e 500 libras, ou seja, propriedade e uma profissão), mas porque então elas se colocam em posição tão humilhante diante do homem? Por que aceitam que gritem com elas? Que lhes imponham as suas vontades mesmo que estas as violentem? Por que elas confundem valorização com desvalorização?

Como vê, a sua pergunta é a pergunta que muitas mulheres adultas que estudam a vida das mulheres se fazem.

Na sua opinião, o que faz a mulher agir desse jeito?

Ah, mudei de e-mail. Escreva para: ltleiro@gmail.com ou, se quiser, pode postar no comentário a sua resposta, aqui mesmo no blog.

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