segunda-feira, 25 de julho de 2011

CASO ANTIGO , Helena Parente Cunha

Quando o conheceu, ela tinha vinte anos. Romancista, de renome se fazendo, ele se tornou para ela o sonho realizado em se realizará. Eles se encontravam uma a duas vezes por semana. Paixão, ela reverberava. Fosforescências. Ele dizia claramente, não queria se casar, não queria se juntar. Não gostava de iludir. Cada qual em dividido para se somarem no mais e no tudo. Assim ele dizia. Assim ele queria. Assim ela assentia. Na esperança de esperar, assim ela esperava. Um dia, quem sabe? Eles casariam. Os encontros semanais. Resplandecência. Durante vinte anos ela viveu feliz, à espera do que esperava. Consonâncias , as ressonâncias. Uma vez, como tantas vezes, ele viajou. Desta vez, por duas semanas. Como tantas vezes, ele não escreveu. Ao contrário do que fazia outras vezes, quando ele voltou não telefonou. E não atendeu quando ela ligou. Dissonâncias? Reacreditada, ela se esperou. Palidescências. De manhã, debaixo da porta dela, um envelope com a letra dele. um bilhete. Obscurescência. Estava tudo acabado. Ele acabava de se casar.
(Helena Parente Cunha, Cem Mentiras de Verdade, 1985.)


Esse conto de Helena Parente Cunha pode ser visto dentro de uma tradição literária latino-americana do gênero microconto cuja escrita sintética, sugestiva e poética abre possibilidades para maior reescritura da leitora (ou leitor), devido a sua alta carga evocativa. O conto acima, por fazer parte de uma produção datada dos anos 80, faz referências ao androcentrismo presente nas relações de gênero ao focalizar o poder do homem sobre a mulher, transformando-a, quando jovem, em uma pessoa ingênua, sem malícia e quando madura em uma mulher que, embora tenha perdido a ingenuidade inicial, precisa acreditar ou até mesmo apostar em suas escolhas. No entanto, essa "escolha" é diretiva, já que a sociedade patriarcal, com as suas instituições representativas e seu discurso, aprisiona a mulher dentro de uma cela de preceitos morais que dificilmente consegue escapar. A escrita das mulheres da geração de 60, em razão desse momento de ruptura com uma ordem altamente hierárquica, tendem a denunciar e problematizar as situações sociais contraditórias geradas pelo pater potestas.
 
No conto, observa-se que a função do homem é a de escritor, apontando para um traço importante do convencimento: o discurso, a linguagem metafórica, tão ao gosto dos romances, o jogo com as palavras, a manipulação das simbologias e, sobretudo, as camadas implícitas do dizer. Ela, com vinte anos, envolvida pelo código do amor romântico, com os seus mitologemas, incapaz de entender a linguagem do outro (porque não fora educada para isso) sucumbe às promessas, uma arma poderosa para manter a esperança no outro e, consequentemente, o poder sobre ele.

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