sexta-feira, 10 de junho de 2011

UMA NOVA MULHER, MARINA COLASANTI, 1980

“Sem independência econômica, não existe independência”
“Uma das grandes, embriagadoras vantagens da independência é o poder de escolha”  (Marina Colasanti)

Estava em débito com as postagens, pois estou sem internet em casa o que dificulta as atividades de blogagem.

O livro que cito hoje não é novo, foi escrito em 1980, pela escritora etíope Marina Colasanti, cujo título já aponta para uma questão de gênero, Uma Nova Mulher. A escritora apesar de não ter nascido em terras brasileiras, pois veio com 11 anos para o Brasil, transformou-se em uma das mais expressivas escritoras contemporâneas brasileiras.

Neste livro, Colasanti inicia a sua reflexão sobre a ‘nova mulher’, tematizando a questão da independência para as mulheres que foram educadas para serem esposas e mães. Através do texto Independência, que bonita que é, a escritora põe em questão a valorização do casamento pela sociedade brasileira, tornando privilegiadas as meninas casadoiras e paralelamente desprestigiadas aquelas que, embora não eliminassem a possibilidade de se casarem, não coloca o matrimônio como prioridade ou fim último:
Mas a heroína da classe não era eu. Eram as duas meninas, que desde o início do ano exibiam as suas alianças e certezas no futuro, enquanto as outras, menos afortunadas, batiam as estacas de sua segurança na escolha de um bom rapaz, namorado firme. Não era costume, não ficava bem uma moça de família pensar em independência. (COLASANTI, 1980, p. 11)
Colasanti levanta algumas questões que podem ter dado origem às confusões que permeiam os discursos, ao associar ‘dependência com carinho’. A escritora desmistifica a ideia de que ser solteira não é ser só, isolada das pessoas, alijada do exercício da afetividade e salienta a importância de romper os laços de dependência em todos os níveis, sobretudo o financeiro e o emocional. Esta ideia está articulada a outra questão que a escritora traz em seu texto, ao articular a dependência à infantilização, mostrando a tendência das mulheres dependentes em colocar a culpa nos outros: “quando a gente é independente tem mesmo que arcar com as próprias culpas, e tentar entendê-las, conviver com elas” (COLASANTI, 1980, p. 12).

A independência das mulheres é mais difícil, reconhece a escritora, por isso, deve ser alçada tendo em vista alguns aspectos: 1) maturidade financeira, pois sem dinheiro a independência não se estabelece; 2) manutenção dos laços familiares, pois o apoio da família contribui para uma emancipação menos traumática, embora a escritora reconheça que nem sempre seja possível; 3) maturidade emocional, pois, de acordo com Colasanti, pode-se ser dependente, mesmo saindo de casa, ou independente sem precisar sair. A independência é “uma forma de se colocar diante da vida”. (COLASANTI, 1980, p. 13)

A autora desmistifica ainda a ideia de uma independência relacionada ao estado civil, pois “pode-se, portanto (...) ser independente e ser casada, ou ser independente e morar com um rapaz” ou, complementando o raciocínio, embora a escritora não enuncie, ser solteira e ser dependente. Ficou no interdito, já que escrever sobre a dependência das mulheres solteiras, nos anos 80, em pleno momento de reverberação das conquistas feministas, poderia soar conservador.

Colasanti enfatiza a questão financeira como condição imprescindível para a independência, pois

Dependentes, amarradas a decisões e interesses familiares, muitas mulheres casam até hoje sem amor, apenas por conveniência, para garantir o mantenedor de papel passado. E por dependência econômica, por não saber, poder ou querer prover a si mesmas, um número assustadoramente grande de mulheres se mantêm presas a casamentos errados, dolorosos e às vezes até humilhantes. (COLASANTI, 1980, p. 14)
Logicamente que naquele momento, as mulheres da geração de 60, quase todas casadas ou divorciadas, vão focalizar as relações familiares, que dão sustentação à assimetria de gênero, um dos alicerces do patriarcado.

Colasanti desmistifica também a questão da profissionalização, mostrando que ter uma profissão não garante a independência, embora seja importante para dar acesso a segurança financeira. O que a escritora defende é o conhecimento de mundo, isto é, “saber em que mundo se vive, quem são as pessoas que nos rodeiam, quais são os grandes questionamentos do ser humano (...) são os conhecimentos que dão à nossa independência uma arquitetura mais sólida” (COLASANTI, 1980, p. 15). Neste sentido, a autora mostra que é importante saber resolver pequenos embaraços cotidianos, como trocar pneus, botar uma bucha na parede, ainda que as mulheres não precisem necessariamente executá-los,

mas é um descanso saber que se for preciso a gente mesma faz, sem ter ficar apatetadas à beira da escada ou na porta de casa, esperando que um homem salvador caia dos céus para resolver estes problemas “insolúveis” (Idem, Ibidem)
Uma mulher independente, segundo Colasanti, não pode ser passiva, vir “à reboque de alguém”, o conhecimento é fundamental para que os assuntos, fruto do diálogo entre o casal, sejam abalizados a partir dos dois pontos de vista. É importante que se diga que o leitor ou leitora de interesse da escritora é o da classe média, a qual ela pertence, e que, em razão disso, a questão do casamento ainda é um objetivo de muitas, não se cogitando, por exemplo, outros arranjos conjugais. Para Colasanti, o problema está ainda na mulher que vê a profissão como uma passagem, não vê como carreira, com uma visão de futuro e de inserção social. Algumas mulheres deixam de trabalhar quando se casam, reforçando a ideia do trabalho como exercício para as mulheres solteiras. O casamento passa a dar acesso à prática de diferentes profissões: arrumadeira, camareira, cozinheira, lavadeira, enfermeira, decoradora, costureira, bordadeira, entre outras, em troca a mulher gozaria do status de esposa, herdeira da metade do patrimônio (se tiver filhos), após a morte do marido, mas correndo o risco do divórcio que a atrelava à pecha de mulher lúbrica, por isso a sua conduta teria de ser enquadrada ao sistema.

Concluindo o seu texto, Colasanti se reporta a algumas falas que circulam na sociedade, oriundas dos medos dos homens da mulher independente e a cada um delas a autora descarta a possibilidade da mulher vir a se interessar pelos perfis de homens que se apresentam.

1) Os homens que temem a concorrência. “que a mulher nenhuma deve interessar”.
2) Os homens que temem a liberdade da mulher ir e vir. “quem os quer?”
3) Os homens que temem a mulher liberada sexualmente. “E estes para que servem?”

A autora ainda provoca a sua leitora (ou leitor) dizendo que a independência traz benefícios à mulher porque funciona como “peneira”, isto é, ajuda a selecionar os parceiros conjugais. Por fim, a propaganda chega a ser metaforizada em linguagem de mercado: a escritora, uma das consumidoras, testemunha a eficiência do produto, a independência, e ao contrário de um vendedor, ela não detém o produto, mas nos informa que “ele é acessível, nacional e está bem ao alcance de cada uma”. (COLASANTI, 1980, p. 18-19).

Em pleno backlash, momento pelo qual passamos atualmente, quando vemos algumas performances conservadoras nas práticas sociais, vale a pena resgatar os textos das escritoras da geração de 60, pois eles foram importantes tanto do ponto de vista literário quanto pedagógico, servindo como ponto ou contraponto no processo dialógico da leitura.

Questões salientadas por Colasanti ainda podem ser sentidas hoje na vida de muitas mulheres, independente da classe social. A dependência econômica e emocional ainda é um entrave a ser superado diariamente, atrasando o processo de desenvolvimento da mulher. A mídia, a literatura, enfim, os discursos que operam com o simbólico podem libertar as mulheres das ciladas de gênero ou podem trancafiá-las eternamente, limitando-as e reduzindo-lhes a existência humana. Uma mulher dependente não experimenta as suas potencialidades humanas porque nunca ultrapassa os limites estipulados para ela, e o pior é que elas acabam se convencendo de que a vida é assim mesmo: se asas, sem vento, sem horizontes.

2 comentários:

  1. Adorei,tudo o que escreveu é o que penso, pois sou mulher dependente financeiramente, mas começo minha faculdade de direito agora e não vejo a hora de poder voar,expressar minhas opiniões e cruzar orizontes sem medo de arriscar.Obrigada Ana

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  2. Prezada Lucia, tens mail de contato com Marina Colasanti? devo-lhe um poema que lha fiz após um workshop em Campinas/SP 1989 e nunca consegui entregar-lhe. Agradeço partilhar, caso o tenha.
    ötimo teu post! Feliz 2013, Cláudio J Junior (bisa8703@gmail.com)

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