sábado, 11 de junho de 2011

A Ilha Perdida, Maria José Dupré, 1973

Na fazenda do Padrinho, perto de Taubaté, onde Vera e Lúcia gostavam de passar as férias, corre o rio Paraíba. Rio imenso, silencioso e de águas barrentas. Ao atravessar a fazenda ele fazia uma grande curva para a direita e desaparecia atrás da mata. Mas, subindo-se ao morro mais alto da fazenda chamavam de Ilha Perdida. Solitária e verdejante, parecia mesmo perdida entre as águas volumosas. (Dupré, 1973, p. 1)

Estranhei quando recebi, das mãos do vendedor, o livro de Maria José Dupré: maior, colorido e em papel couché, o livro parecia outro, muito diferente daquele publicado nos anos 70 e ao qual tive acesso quando estudante. De qualquer sorte, o acolhi como se acolhe a memória ou os prazeres que ela evoca. Foi o primeiro livro que li na escola e que (finalmente) a professora acertou. E como era difícil acertar. Naquele tempo, a leitura dos clássicos era imprescindível para alguns professores, como se nós leitores tivéssemos saído dos romances do século XIX, em que as crianças lêem desde a mais tenra a idade os clássicos. De onde uma boa parte veio, inclusive eu, a leitura de livros não era muito freqüente, muito embora meus pais fossem leitores ávidos de jornais. Os livros circulavam, mas eram poucos e a televisão já havia ocupado os nossos lares. Fui uma leitora ávida de filmes, os clássicos, que passavam à tarde na televisão.

Na escola, a professora indicou A Ilha Perdida e comecei a gostar de literatura, muito embora não fossem os “clássicos”. Li coleções de livros escritos para adolescentes, do tipo mistério e detetivescos, como Os Seis e Diana (não me recordo os detalhes), mas eram livros que eu lia, mas não me recordo de uma história deles. Aconteceu o mesmo, mais tarde, com os livros de Sidney Sheldon, li vários, mas não me lembro de nenhum deles.

No entanto, A Ilha Perdida permaneceu e tornou-se referência para mim quando o assunto é prazer em ler. O livro narra a história de uma ilha misteriosa e que por guardar tanto mistérios, cai na curiosidade de Eduardo e Henrique (por sinal, nomes do meu pai e do meu tio), dois meninos que eram primos de Quico e Oscar, filhos do Padrinho, e que nas férias iam para a fazenda. Havia também Vera e Lúcia (esta, minha xará), mas apesar do romance começar com a voz narrativa se dirigindo a elas, quase não aparecem ao longo do texto. Os protagonistas são Eduardo e Henrique. Talvez fosse ainda arriscado apresentar um romance para adolescentes em que as protagonistas fossem meninas aventureiras, desafiadoras, meninas que ultrapassassem os limites impostos pela obediência paterna, na figura do Padrinho. Do ponto de vista ortodoxo de gênero, esse papel caberia aos meninos, o que de fato acontece. Eduardo e Henrique atravessam o rio e conhecem a Ilha. A escritora, com maestria, consegue fidelizar o seu leitor desde o início, aguçando a sua curiosidade e conduzindo-o e transportando-o imediatamente para o texto. O leitor é o terceiro tripulante na viagem, além dos dois meninos, que testemunha as peripécias dos personagens, suas dores e alegrias quando se veem sozinhos na Ilha. O retorno à fazenda foi interrompido por uma tempestade, levando-os a permanecerem mais tempo do que planejado na incógnita ilha. Nada mais emocionante do que acompanhar as descobertas dos meninos, não só em relação a Ilha, mas sobre a vida, já que precisam lidar com os medos e ter que superá-los. A Ilha se apresenta como metáfora do mundo, desconhecido para os adolescentes que, muitas vezes longe do adulto, ou dos familiares, precisam interagir com ele, conhecendo-o, para melhor participar dele. A separação das personagens foi um recurso interessante, pois acentuou a carga dramática e, também, o sentido de individualidade e de independência. Estar sozinho representa a unicidade da experiência, já que mesmo estando com outras pessoas, a experiência é única, individual, do sujeito, percebida de forma singular e este sentido ficou muito bem demarcado quando as personagens se separam acidentalmente.

Na Ilha, mora Simão, um homem que havia se afastado da cidade e foi morar na Ilha. Ali, próximo dos animais, Simão redescobre a humanidade e Henrique participa desse momento: “Henrique nunca vira um animal chorar e ficou admirado olhando a cena.”. A voz narrativa apresenta ao leitor um Simão filósofo que questiona a conduta humana quando mata um animal:

Os caçadores não têm coração. Matam um pobre animal inofensivo pelo prazer de matar. Veja você: matar um bichinho tão inocente, tão bonito, tão delicado. Para quê? Se fosse para saciar a fome, ainda bem, mas é para se divertir que eles matam. Matam por crueldade. Querem apostar para ver quem mata melhor, quem mata primeiro. (DUPRÉ, 1973, p. 94)

A rispidez de Simão em relação a Henrique ao longo da narrativa remete o(a) leitor(a) a essa experiência negativa, vivida na cidade:

- Olhe, menino. Já vivi entre homens e sei que eles juram falso. Muitas vezes fui enganado por ele, agora não me enganam mais. Não creio em sua palavra. (DUPRÉ, 1973 p. 82)
A relação entre Simão e Henrique, a partir da convivência, vai se modificando e uma amizade começa a se formar. Neste processo, pactos de confiança, exercícios de tolerância, generosidade vão sendo construídos, tornando a jornada de Henrique um prazeroso aprendizado sobre a vida:Somente neste trecho, a narrativa leva o(a) lei r(a) à reflexão sobre as razões que levam o sujeito a tirar a vida de outro ser vivo. A assimetria entre forte x fraco como base de sustentação das relações de poder, os valores competitivos como direção para a conduta humana e a banalização da vida através da morte por diversão, aparecem como traço que caracterizam o homem urbano, o que nos remete, de certa forma, ao mito rousseauniano do bom selvagem:
-Escute uma verdade, Henrique: quanto mais culto um povo, melhor ele sabe tratar os inferiores e os animais. Isso demonstra grande cultura e você nunca deve esquecer. (DUPRÉ, 1973 p. 99)
O tom pedagógico aparece, mas de diferentes formas: através do discurso, do diálogo entre Simão e Henrique, através das práticas, do manejo das coisas, e da observação.

Existem outras questões que são tratadas neste livro que, a meu ver, é uma referência para a literatura infanto-juvenil brasileira: a fluidez da escrita, a composição dos núcleos dramáticos e a forte carga imagística do texto conferem à Ilha Perdida o status de clássico da nossa literatura brasileira infanto-juvenil.

A autora: (Botucatú 1898- Guarujá 1984)

Fundadora, ao lado de Monteiro Lobato, Caio Prado Jr. Leandro Dupré e Artur Neves, da editora brasiliense, Maria José Dupré se estabeleceu como romancista para o público adulto e infanto-juvenil. É autora dos romances Éramos Seis, Gina, entre outros.

3 comentários:

  1. Q MARAVILHA!!!!!!!!!! PERFEITA SUA APRESETACAO DO LIVRO. NELE ME DELICIEI NA ESCOLA E MTS VEZES DEPOIS, ENVOLVIDA EM SUA PAGINAS, ME DISTANCIEI DA REALIDADE E FUI COMPANHEIRA DESTA TURMA NAS SUAS AVENTURAS E NAS Q CREI.(MOMENTO NOSTALGIA...AI "Q SAUDADE Q EU TENHO... DA MINHA INFANCIA QUERIDA")

    ESTE DEVERIA SER INDICADO ATE HJ NAS ESCOLAS

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  2. Esse foi o primeiro "livro" de verdade que li na vida. E fiz questão que fosse também o primeiro de minha querida filha Luisa, de oito ano.

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  3. Luis foi o meu primeiro livro também. Excelente recomendação.Parabens! Todos os pais deveriam agir assim.

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