domingo, 28 de novembro de 2010

SONIA COUTINHO ATRAVÉS DOS SITES

Existem inúmeras desconfianças quanto ao uso das informações contidas na internet, contudo prefiro me dedicar aos usufrutos que as navegações ou velejamentos me propiciam, que incluem os riscos acometidos a qualquer viajante. O número infinito de dados que os sites de busca nos oferece nos impele a fazer seleções das informações que chegam aos nossos olhos, tornando a atividade por vezes demorada e cansativa, ao mesmo tempo em que motivadora e prazerosa.

Quando necessitei de material para compor um estudo sobre a produção de Sonia Coutinho e Helena Parente Cunha encontrei uma série de informações que, certamente, se não fosse a internet, não teria acesso, pelo menos, em tempo tão curto e de forma tão confortável. Pude acompanhar, por exemplo, dentre as atividades desempenhadas pelas duas escritoras, os livros publicados, as versões em outras línguas, os assunto nas palestras feitas em outros países e no Brasil, o estudo de suas produções em inúmeras universidades brasileiras e estrangeiras, as entrevistas, e muitos outros dados.

A internet é uma ferramenta imprescindível para a pesquisa e, consequentemente, para a ampliação do conhecimento, porque ela permite o acesso a um número vasto de informações que certamente de outra forma seriam difíceis de encontrar. Por exemplo, no site http://www2.metodista.br/unesco/jbcc/jbcc64.htm verifiquei uma referência sobre a escritora, citada em livro, quando se discutia a importância do movimento intelectual dos anos 50-60 na UFBA para a formação de intelectuais como Sonia Coutinho. Esse aspecto é importante para entender as condições de produção da escritora que não apenas inova a narrativa ficcional do ponto de vista da estrutura, mas apresentando temas igualmente inovadores ao discutir o patriarcado na Bahia e os seus efeitos da educação das mulheres de classe média alta. A instrução das mulheres sempre foi mencionada pelas feministas como sendo de extrema importância para a emancipação das mulheres e a produção de Sonia Coutinho mostra que essa instrução nos anos 60 inevitavelmente perpassaria pelos problemas das mulheres em uma estrutura social por meio da qual eram subordinadas ao poder masculino. As produções da escritora tiveram repercussão em Universidades dentro e fora do país.

Nas universidades localizadas fora do país, a produção de Sonia Coutinho tem sido estudada nas disciplinas que discutem a literatura latino-americana e, também, através de seminários. A crítica Andrew Bell da Universidade do Texas, Austin, apresentou um trabalho sobre a narrativa da escritora com o título "Sônia Coutinho: Narrating Woman" para um evento da American Portuguese Studies Association, no II Congresso Internacional, realizado na Univesidade de Wisconsin, Madison entre os dias 19 e 21 de outubro de 2000. Um outro evento, o Congresso Internacional sobre Escritoras Lusófonas, realizado nos dias 19 a 21 de maio de 1999, contou com os estudos da pesquisadora Susan C. Quinlan, da Universidade de Georgia, que apresentou o artigo "Re-Inventing Brazil: Women's Identity in the Works of Sónia Coutinho". Já o Instituto Brasileiro e Português da Universidade de Köhn produziu um estudo sobre o romance Os Seios de Pandora intitulado "Der weibliche Detektiv und das Verbrechen in Sonia Coutinhos "Os Seios da Pandora", Köln, em 22 de janeiro de 1999, discutindo as nuanças que diferenciavam o romance de detetives produzido por homens e mulheres. O interesse pelas produções de Sônica Coutinho partem de espaços e culturas diferentes, mas predominantemente anglo-saxão, inclusive a Alemanha.

Os cursos oferecidos pela Universidade de Havard em Língua Portuguesa sugeriram as produções de Sonia Coutinho para tratar da produção literária brasileira no período da ditadura militar enquanto textos dissonantes ao pensamento e escrita hegemônica. Um desses cursos, Portuguese Language Courses, foi ministrado pelo professor Nelson H. Vieira, e oferecido na Primavera de 2001 sob o título "The Cultural Politics of Brazilian Identity(ies): Post-64 Literature and Interrogations of Power, Ethics and Alterity"

Os jornais proporcionaram e veicularam igualmente estudos sobre os textos da escritora. O Jornal Hispania, Volume 82/4 de dezembro de 1999, na página 713, produzido pela Universidade do Texas, trouxe um artigo de Cristina Ferreira-Pinto Bailey intitulado "Sonia Coutinho: desconstruindo mitos de feminilidade, beleza e juventude" na seção "Articles on Language and Literature". O Jornal Literário Ploughshares, da Faculdade Emerson, lançou no inverno de 1985, no volume 11/4, uma edição com poesia e ficção na qual está presente o conto "Fatima & Jamila", página 233, do livro Uma Certa Felicidade. Já a revista Ficções, ano II - Número 4, 2º semestre/1999, com 108 págs. publica o conto "Marginal Light" de Sonia Coutinho do livro mais recente Os mil olhos de uma rosa.

A literatura baiana de autoria feminina passa a ser referência nos estudos da literatura brasileira dos centros universitários de vários países o que significa inserção cultural, apesar de ainda tímida, de um discurso não visível pela crítica literária. A literatura de Sonia Coutinho é estudada do ponto de vista feminista articulando a sua narrativa à discussão sobre as identidades sem perder de vista o contexto histórico.

A produção da escritora baiana também faz parte dos cursos de pós-graduação de algumas universidades, a exemplo do Department of Portuguese and Brazilian Studies que destacou a produção de Sonia Coutinho ao abordar noções sobre alta literatura, cultura aceitável e bom gosto na ficção contemporânea brasileira dos anos 60.

A pesquisa nos sites de busca mostra que a escritora Sonia Coutinho tem produzido também artigos de crítica para jornais do Rio, a exemplo de "O diário íntimo que Graciliano Ramos (não) escreveu", publicado no jornal O Globo, Rio de Janeiro, de 12 de setembro de 1981. Cad. B, p.9.,e o mesmo título de artigo em outra edição, 14 de novembro de 1981, página.5 e, também, "Duplicidade, multiplicação. Jogo de ‘Stella Manhattan’", no Jornal O Globo, Rio de Janeiro, edição de 17 setembro de 1985.

Sonia Coutinho escreveu ainda um artigo intitulado "Pioneira da ficção feminina" para o Jornal O Globo em 23 de maio de 1993 por ocasião do lançamento das obras reunidas de Teresa Margarida da Silva Orta. A escritora baiana, neste breve artigo, destaca o pionerismo de Orta em relação a outros escritores posteriores que obtiveram a visibilidade que a escritora não teve, além de apresentar parte de sua biografia permeada de desafios.

No Jornal do Commercio, em 1998, Caderno C, seção Família, a escritora deu um depoimento acerca do tema solidão: " Moro sozinha há quase 20 anos e não me imagino vivendo de outra maneira. É um estilo de vida. Não tenho mais que dividir espaço. Em alguns momentos posso me sentir sozinha, mas solidão a dois é mais traumática. Em meu novo livro, Os seios de Pandora (Editora Rocco), as duas personagens centrais são sozinhas e vivem bem. Acho que a partir dos anos 70 surgiu a mulher que se sustenta, que compete com o homem no mercado de trabalho, e no Rio de Janeiro há espaço para essa mulher. Uso a solidão para trabalhar, produzir mais." A solidão é tema que está presente nas narrativas mais recentes, mas, também nas suas primeiras produções.

A escritora também esteve representando o Brasil na Alemanha no III INTELI - Encontro Internacional de Escritores, juntamente com João Ubaldo Ribeiro e Rubem Fonseca, divulgando os seus trabalhos e ao mesmo tempo a literatura contemporânea brasileira em outros países.

As traduções é uma das atividades realizadas por Sonia Coutinho. Em 2007, a escritora traduziu Stella Adler sobre Ibsen, Strindberg e Checkov, organização de Barris Paris para a editora Bertrand Brasil. O livro tem 378 páginas e conta com a "transcrição de algumas lições de teatro que ela [Stella Adler] ministrou entre os anos 70 e 80." Outras traduções fazem parte do currículo da escritora: A dimensão oculta (The Hidden Dimension), publicado originalmente em 1966 por Edward T. Hall, e traduzido pela editora Francisco Alves em 1977; Os assassinato da Rua Morgue, de Edgard Alan Poe, publicado pela editora Sette Letras, no qual, segundo a sinopse publicada pelo site Submarino, foi quem introduziu a pergunta "quem matou?" nos romances do gênero policial que, muito provavelmente, ganhou um sentido feminista quando usada pela escritora para identificar as causas das mortes física ou simbólica das mulheres, a exemplo do romance Atire em Sofia, da escritora; O carne dourado (The Golden Notebook) de Doris Lessing, traduzifo juntamente com Ebreia de Castro Alves;  Ponto de Fuga [then ways of escape] de Graham Greene;  Mutações [Forandrigen] de Liv Ullmann; Machado de Assis: ficção e história, de John Gledson, 1986;  Passagem para a Índia, de de E. M. Forster, editado pela Nora Fronteira; Sun Tzu: A arte da guerra: uma nova interpretação, publicado pela editora Campus em 2001;  O misterioso Sr. Quin, romance policial de Agatha Christie, publicado pela L± O grande massacre dos gatos e outros episódios da história cultural francesa, de Robert Danton, publicado em 1986, pela Graal; Vagarosamente, ao vento, de Patricia Highsmith, publicado pela editora José Olympio; Marie Curie, uma vida, de Susan Quinn, publicado pela Scipione em 1997; Visser, Margaret - O ritual do jantar : as origens, evolução, excentricidades e significado das boas maneiras à mesa (Título original: The rituals of dinner), editora Campus, 1998; Sem Deixar Vestígios, de Charles Berlitz, 1990, traduzido do original em inglês Without a trace/1977.

 
Um fato que talvez pouco se saiba é que o conto Nascimento de uma mulher de Sonia Coutinho foi, durante a ditadura militar, desaconselhado pelo censor Walmir Ayala, membro da comissão de leitura e um dos responsáveis pela leitura de textos enviados para o Instituto Nacional do Livro, autarquia criada na época de Getúlio Vargas, a fim de serem reeditados através de um convênio entre as editoras e o INL. Vários intelectuais como João Ubaldo Ribeiro, Jorge Amado, Luiz Costa Lima, James Amado, Leandro Konder, Esdras do Nascimento, Margarida Ottoni, Armindo Trevisan, Moacyr Scliar, Paulo Coelho, Clarice Lispector, Sérgio Sant´Anna e outros tiveram suas produções julgadas e vetadas. A narrativa da escritora baiana foi considerada "incomodativa" no plano sintático e temático, embora este último aspecto tenha sido suavizado pelo primeiro para dar a impressão de uma não intencionalidade ideológica formal, desvinculando o que para muitos críticos hoje é indissociável: a forma e o conteúdo do texto.

Vejamos o parecer sobre o conto de Sonia Coutinho, acrescido de uma nota :


OBRA: Nascimento de uma mulher
AUTOR: Sônia Coutinho
CENSOR: Walmir Ayala
DATA: ?/?/1970
PARECER n.º 57
Apesar de certas formas indiretas de frases, sem necessidade, como “para a melhor mamãe do mundo ela ser”, e de uma proliferação incomodativa de “ah!” no decorrer da narrativa, trata-se de uma prosadora de qualidade. Não sei se a existência de um personagem comunista na primeira novela (eu chamo de novela apesar da autora chamar de conto) pode incomodar alguma gente. Eu encaminharia este livro para a nossa coleção de novíssimos com o pedido à autora de uma revisão, uma releitura mais atenta para aperfeiçoar a linguagem. Não acho de nível para a co-edição, mas é certo que se trata de uma possível estreante de muito vigor e que merece a chance de um bom lançamento. Atenção: o tema do personagem comunista se repete em outras histórias, especialmente naquela te (sic) tem por título: Pai e Filho. Em suma: peço releitura por parte de outro membro da Comissão. (grifos em negrito meus)

NOTA: O termo “rejeitada”, acrescentado ao cabeçalho do parecer, sem indicação de que tenha havido pedido de vista por parte de outro membro da Comissão, faz supor que bastou para o veto do livro a existência, denunciada por Walmir Ayala, de uma renitente personagem comunista na obra da então iniciante Sônia Coutinho, que ao tomar conhecimento da censura, anos depois, ponderou: “Conheci Walmyr Ayala e creio que os pareceristas estavam numa posição difícil, pois sofriam pressões fortíssimas” (depoimento ao Jornal do Brasil, 15/01/95). Embora a quase totalidade dos censores não tivesse vínculo empregatício com o INL, estando desobrigada a participar das Comissões de Leitura, havia vantagens indiretas para a colaboração: em breve, o INL começaria a editar, sem necessidade sequer de co-edição, os quatro volumes ilustrados do custoso Dicionário brasileiro de artistas plásticos, de Walmir Ayala (o primeiro tomo, em parceria com Carlos Cavalcanti), além de aprovar co-edições da produção poética do mesmo colaborador.

Acredito que o trabalho de pesquisa e resgate sobre uma escritora, principalmente baiana, recupera parte de um legado histórico e cultural que muitas vezes fica nas dobras de outros interesses nem sempre de promoção intelectual. A literatura baiana contemporânea, creio eu, pode alargar muito mais o seu conjunto de produção, quase sempre restritos a uma linhagem masculina: Gregório de Mattos, Castro Alves, Jorge Amado, João Ubaldo Ribeiro - devido a uma crítica pautada ainda em valores androcêntricos - contemplando as produções de escritoras como Amélia Rodrigues, Ana Ribeiro de Góes Bittencourt, Sonia Coutinho, Helena Parente Cunha, Myriam Fraga, dentre outras, que discutem em seus textos questões de extrema importância nos estudos feministas e culturais porque são atravessadas por conflitos de classe, gênero, geração e etnia em uma estrutura social de base patriarcal e burguesa.

Texto escrito em 2007


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