segunda-feira, 25 de julho de 2011

NUNCA DESCUIDANDO DO DEVER, Marina Colasanti

Jamais permitiria que seu marido fosse para o trabalho com a roupa mal passada, não dissessem os colegas que era esposa descuidada. Debruçada sobre a tábua com olho vigilante, dava caça às dobras, desfazia pregas, aplainando punhos e peitos, afiando o vinco das calças. E a poder de ferro e goma, envolta em vapores, alcançava o ponto máximo da sua arte ao arrancar dos colarinhos liso brilho de celulóide.

Impecável, transitava o marido pelo tempo. Que, embora respeitando ternos e camisa, começou sub-repticiamente a marcar seu avanço na pele do rosto. Um dia notou a mulher um leve afrouxar-se das pálpebras. Semanas depois percebeu que, no sorriso, franziam-se fundos os cantos dos olhos.

Mas foi só muitos meses mais tarde que a presença de duas fortes pregas descendo dos lados do nariz até a boca tornou-se inegável. Sem nada a dizer, ela esperou a noite. Tendo finalmente certeza de que o homem dormia o mais peado dos sonos., pegou um paninho úmido e, silenciosa, ligou o ferro.
Marina Colasanti, In.; Contos de Amor Rasgados, 1986)

Um comentário:

  1. Lindo!!
    Em linguagem simples e com muito sentir, o conto é tocante e nos leva à reflexão sobre a vida e a nossa existência.

    ResponderExcluir