Nada neste mundo pode resgatar as suas perdas (Sonia Coutinho, O Enigma de Greta Garbo)
Durante o meu doutorado, enquanto levantava ideias para escrever a tese, fiquei com uma na cabeça, mas que somente poderia retomá-la em um outro momento: a presença do cinema na literatura de Sonia Coutinho.
Em seu livro de contos Último Verão de Copacabana, publicado em 1985 e relançado no ano passado pela editora 7 Letras, existem dois contos que nos remetem ao cinema. Um deles se chama Toda Lana Turner tem seu John Stompanato e o outro conto O Enigma de Greta Garbo.
O primeiro é uma narrativa em primeira pessoa cuja voz é de uma mulher. O leitor entra em contato com a história da personagem principal, que é uma mulher, por meio da voz narrativa que não se distancia das experiências vividas da personagem, muito embora se reporte a ela na terceira pessoa. Ao ficcionalizar-se e ficcionalizar o outro, a voz narrativa desestabiliza a idéia de que a voz do narrador apenas narra episódios e como é onisciente conhece o que se passa com a personagem. A voz narrativa do conto de Sonia Coutinho mostra-se oscilante e sem pretensões de ser uma voz que enuncia a verdade. Ao contrário, a narrativa é produzida por outras narrativas, no caso do conto, por textos de revistas e pela história de vida de mulheres. Nesse jogo especular em que as imagens se desdobram infinitamente, a voz narrativa se solidariza com a personagem que está lendo uma matéria sobre a vida pessoal da atriz Lana Turner, mostrando uma face menos glamourizada pela mídia.


A idéia de enigma, mistério, é significado pelo olhar do personagem masculino que associa a personagem Cátia, à atriz Greta Garbo. Para Cátia, no entanto, o seu olhar aponta apenas para um outro lugar, como se estivesse ali, mas também em outro espaço, distante. É como se estivesse usando máscaras para driblar as regras sociais e, assim, poder sobreviver a elas.
É a consciência de sua condição, de sua existência humana dentro de uma sociedade patriarcal, que gera os conflitos existenciais tão dolorosos nas personagens.
Ao trazer Lana Turner e Greta Garbo, Sonia Coutinho lança mão de experiências intertextuais em enlaçando a vidas das mulheres, mostrando que o patriarcado produz experiências similares entre as mulheres, daí porque o que acontece com uma atriz no âmbito pessoal acaba por encontrar empatia em outras mulheres quando passa a circular pelos jornais no mundo inteiro.
A geração de Sonia Coutinho, a de 60, é uma geração de escritoras ávidas por uma escritura experimental, tão profícua quanto a geração que testemunhou e engendrou mudanças sociais radicais e fundamentais para as mulheres. Aqui, Sonia Coutinho experimenta cinema, narrativa literária e jornalística em um único texto.